16 de agosto de 2015

Ler deveria ser proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social.

Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madamme Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram, meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem necessariamente ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas.

É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, podem levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, podem estimular um curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos, em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais, etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um. Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. Para obedecer, não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submisso. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos. A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

Texto de Guiomar de Grammont

*Guiomar de Grammont é mineira de Ouro Preto, historiadora, filósofa e escritora. Já publicou contos, antologias, livros sobre historiografia e o romance A casa dos espelhos.

14 de agosto de 2015

Lançamento "Coisa de gente grande"

#Convite para o lançamento do  novo livro da Patricia Auerbach, COISA DE GENTE GRANDE, um poema visual, Editora Cosac Naify.

Vai ser dia 26/08, às 19h, na Livraria da Vila da Fradique.

No mesmo dia, a partir das 19h45, a autora fará uma oficina para educadores e mediadores de leitura usando o livro como ponto de partida para uma reflexão sobre as relações entre a palavra e a imagem e as diversas camadas de sentido que a literatura ilustrada nos apresenta.

Super recomendo!

♡Patricia é autora dos livros O lenço e O jornal, dos quais já falei no sótão e sempre indico!

11 de agosto de 2015

Bate papo no sótão - 2

Olá, leitores!!
Hoje temos mais um "Bate papo no sótão" e desta vez quem veio compartilhar um pouco de sua história conosco é o autor e ilustrador André Neves.

Nascido em Recife, Pernambuco, André dedica-se exclusivamente ao universo dos livros infantis.
Com mais de 100 livros publicados, entre os de sua autoria e os que ilustrou também para outros autores, ele apresenta um estilo bem original em seus trabalhos.Já teve vários livros premiados e alguns traduzidos para outros países. Participou de mostras e exposições no Brasil e no exterior.
Sou suspeita pra falar, pois me emociono a cada livro. As ilustrações são de uma beleza única e depois que leio a história, volto ao início do livro para apreciá-las, algumas eu até acaricio!


Vejam o que conversamos aqui:

Passarinho: Quando era criança, você gostava de ler? E de desenhar?
    André: Sim, livros e leitores sempre foram compartilhados em casa de uma forma natural. E desenhar, quando pequeno, sempre foi a melhor brincadeira.
    Hoje ainda é, mas faz parte também da vida profissional que escolhi.

    Passarinho: Quando decidiu ser ilustrador?
      André: Quando em Recife, minha cidade natal, fui trabalhar no Espaço Pasárgada. Casa do poeta Manuel Bandeira e Espaço Cultural que na época tratava de promoções literárias. 
      Descobri o livro ilustrado e já estudava pintura. Foi assim que as possibilidades múltiplas da leitura visual fizeram sentido para mim.

      Passarinho: Seus livros são extremamente emocionantes e sensíveis. O que te inspira na hora de criar? 
        André: Cotidiano, memória, fantasia e brincar para comigo mesmo. Assim alimento meu imaginário. Depois segue para os leitores.

        Passarinho: O que faz para se apropriar do texto do autor? 
          André: O mesmo sentido da resposta acima. Mas nem sempre foi assim, hoje o meu profissional é extremamente honesto com meu fazer artístico.

          Passarinho: Quantos livros aproximadamente você já ilustrou?
            André: Juntando com os que escrevi e ilustrei mais de 100. Perdi a conta e alguns livros também sumiram da minha estante e tenho de recuperar por ser parte de minha própria história. 

            Passarinho: Que técnicas você mais utiliza? Que cores prefere?
              André: Formalmente se chama técnica mista pela grande variedade de materiais. Mas uso muito acrílicas, temperas, colagens e do que fizer sentido para finalizar uma ideia.

              Passarinhos: Quantos livros aproximadamente possui em sua biblioteca particular?
                André: Nunca contei, mas deve estar entre 1 e 2 mil. 

                Passarinho: Você tem alguma mania ou algum hobby?
                  André: Penso que não. Tenho uma vida de rotina comum e simples. Adoro estar em casa e ver o despertar da manhã e o entardecer. Às vezes com caminhadas por perto. Gosto de observar a vida e os dias.

                  Passarinho: Como você vê o trabalho de incentivo à leitura no Brasil?
                    André: Tenho presenciado situações maravilhosas, eventos significativos, projetos encantadores e feiras e festas para os livros e a leitura. Um crescimento real que perderá o sentido e força se não houver cada vez mais investimentos na cultura e educação. O mundo mudou e principalmente a formação dos educadores tem de ter outras perspectivas. Precisamos criar uma base de compreensão onde ensinar é menos, estimular conhecimento é mais. São duas coisas distintas. 

                    Passarinho: Deixe um recado para as crianças sobre a importância da leitura: 

                    André: Ler é muito mais do que palavras. Mas a leitura literária abre os olhos da mente. 



                    Aqui estão alguns de seus livros:







                    Para conhecer mais sobre o trabalho do André, CLIQUE AQUI. E não esqueça de deixar seu comentário sobre a entrevista!

                    5 de agosto de 2015

                    3 de agosto de 2015

                    Bate papo no sótão - 1


                    Ilan Brenman é o primeiro autor convidado para a nova coluna do blog: Bate papo no sótão!


                    Com mais de 60 livros publicados, ele é considerado um dos mais importante autores de livros infantis do Brasil, ganhador de diversos prêmios e traduzido em vários países. Tudo começou quando cursava Psicologia, no seu primeiro estágio em um projeto de educação não-formal, quando se descobriu um contador de histórias. Ilan sempre gostou muito de ler e pesquisar, o que facilitou o despertar para a escrita literária, em 1992. Seu primeiro livro, O pó do crescimento, virou livro em 2001, sendo relançado numa edição especial em 2011. Além da experiência de contador de histórias, Ilan Brenman participou de projetos de mediação de leitura em hospitais e formação dos profissionais desta área que desejavam ler para crianças hospitalizadas. Fez mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da USP, com temas ligados à literatura infantil. Escreveu também dois livros teóricos, Através da vidraça da escola - formando novos leitores e A condenação de Emília - o politicamente correto na literatura infantil.
                    Atualmente Ilan compartilha suas reflexões sobre educação, cultura e outros vários assuntos em sua coluna mensal na Revista Crescer “Palavrórios e Rabugices”, também na Rádio CBN com dois boletins semanais sobre Literatura e Educação e percorre o Brasil e o mundo dando palestras e participando de mesas de debate em feiras de livros, escolas, universidades públicas e privadas sobre temas contemporâneos nas áreas de  cultura, família, literatura e educação.
                    Tenho um carinho e respeito muito grande pelo Ilan! Ele foi o primeiro autor com quem fiz amizade pelo Facebook, desde 2012, e sempre foi muito atencioso comigo. Sou apaixonada por seus livros, temos vários títulos aqui no acervo do sótão, que compartilho com meus filhos, alunos e também com as crianças que visito nos hospitais (sim, mais um motivo para eu me identificar com o Ilan!). Tenho dois livros que gosto em especial, o A cicatriz e o Papai é meu!, que serão assunto para novos posts.

                    Confira o bate papo:

                    Passarinho - Quando era criança, você gostava de ler?

                    Ilan - Adorava ouvir e criar histórias desde pequeno. 

                    Passarinho - Quando decidiu ser autor?

                    Ilan - Quando comecei a inventar minhas próprias histórias e contá-las por todos os cantos, queria que mais pessoas conhecessem minhas criações, os livros espalhariam meus contos para lugares que eu não conseguiria chegar fisicamente.

                    Passarinho - Se lembra de algum livro que lia na infância ou tem algum que te marcou em especial?

                    Ilan - Zero Zero Alpiste, de Mirna Pinsky.

                    Passarinho - Como surgiu a ideia para seu primeiro livro? Qual foi ele?

                    Ilan - O meu primeiro livro de ficção foi " O Pó do Crescimento, e outros contos." Ele nasceu de um surto criativo.

                    Passarinho - Quantos livros aproximadamente possui em sua biblioteca particular?
                    Ilan - A última vez que contei (faz um tempo), mais de 4 mil livros.

                    Passarinho - Você tem alguma mania ou algum hobby?
                    Ilan - Hobby -  Ler, ficar com a família e cinema.

                    Passarinho - Como você vê o trabalho de incentivo à leitura no Brasil?

                    Ilan - É um dos trabalhos mais importantes que existem no nosso país, sem leitores não há saída para o Brasil. A Leitura é a mais forte arma contra a escravidão da ignorância. 

                    Passarinho - Deixe um recado para as crianças sobre a importância da leitura: 

                    Ilan - A leitura é tão importante como o arroz e o feijão, alimenta, faz crescer e depois que descobrimos o gostoso que é, sempre vamos pedir mais. 
                    Abraços,
                    Ilan

                    Primeiro livro do autor, em 2001.
                    Um livro especial pra mim...
                    Este é sucesso na mediação de leitura nos hospitais que realizo!
                    Para saber mais sobre o autor e conhecer seus livros,CLIQUE AQUI.